Reflexões sobre a evolução da arquitetura e seus desafios futuros



Ser um profissional que congrega o ato de fazer e ensinar a arquitetura me faz levantar uma série de questionamentos sobre os rumos que a profissão toma, tendo em vista se adaptar à evolução da humanidade. A arquitetura, assim como as demais áreas do conhecimento humano, tem se beneficiado das descobertas feitas em laboratórios pelos neurocientistas, para apropriar-se de tais conhecimentos na hora de pensar os projetos.

 

Atitude ainda considerada nova para alguns profissionais, porém cobrada por clientes, principalmente da área comercial, que têm oportunidade de montar equipes multidisciplinares para pensarem juntas os resultados almejados com o projeto. Diante de tal cenário, convidei o arquiteto e pesquisador nato Oliveira Júnior para refletirmos juntos sobre os caminhos que a arquitetura tem tomado, nesta busca incansável por promover uma completa experiência a quem se apropria dos seus espaços. Confira nesta entrevista exclusiva:

 

Lorí Crízel – Em sua trajetória como arquiteto e pesquisador, qual a sua opinião sobre a adoção de conhecimentos da neurociência pela arquitetura?

 

Oliveira Jr. – Na verdade isso é algo novo. Interessante que estejamos conversando sobre isso. Quando trazemos o assunto em sala de aula vemos que isso não faz parte do repertório dos futuros arquitetos. Vejo na formação do arquiteto, e digo isso com conhecimento de causa pois me dedico tanto à graduação quanto à pós-graduação, que a neuroarquitetura não é um assunto que tem sido amplamente abordado. Geralmente o foco é muito mais tecnicista. Se espera muito mais em sala de aula que se aborde os processos criativos baseado nas questões geográficas, do ponto de vista cultural, histórico, ambiental, mais ligados à questão do conforto, da paisagem e do processo construtivo.

Em minhas buscas por respostas sobre a evolução da arquitetura e de como a neurociência têm contribuído, me deparei com a seguinte afirmação de que os arquitetos deveriam desenhar mais ficção do que função. Então essa preocupação de trabalhar contanto a história das pessoas e de como elas se apropriam desses espaços é muito mais interessante do que fazer um edifício puramente funcional.

A gente sabe que a questão da funcionalidade é fundamental. Mas a arquitetura não deve se resumir a isso. Durante o processo construtivo da Sede da China Central Television, assinado pelo escritório OMA e que contou com a participação de mais de 100 arquitetos envolvidos diretamente, o grande desafio foi projetar um edifício que seria voltado a atender 10 mil pessoas. Como pensar um projeto dessa magnitude? No caso desse exemplo, a estratégia foi centralizar os estudos em cinco personas específicas que fariam o uso deste espaço. A partir daí passaram a se dedicar a entender como esses cinco perfis diferentes se apropriariam desse espaço. Só a partir dessa compreensão é que os espaços passaram a ser projetados de fato.

Isso é algo novo, embora esteja acontecendo em grandes escritórios. A neurociência reverberando seus conceitos na arquitetura é algo que vem sido melhor observado atualmente. Vejo que essa preocupação principal em pensar como a pessoa se apropria desse espaço é algo que está começando a ganhar cada vez mais espaço na prática arquitetônica. Mas ainda precisamos ampliar nosso olhar para inserir tais conhecimentos na sala de aula.

Entendo que a graduação anda atrás do que está sendo realizado no mercado. Por isso temos um amplo campo a se explorar no meio acadêmico, para contribuir com a prática projetual.

 

Lorí Crízel – Podemos afirmar que com essa nova maneira de se pensar os projetos, voltamos a enxergar o ser humano como o elemento principal na hora de pensar em projetar um espaço?

 

Oliveira Jr. – O ser humano sempre esteve no protagonismo da arquitetura. O fato é que muitas vezes o profissional arquiteto é que acaba se colocando como o protagonista deste projeto. Na verdade, o ser humano sempre esteve no protagonismo. Só que atualmente estamos tentando entender como o ser humano reage ao que a arquitetura está propondo a ele. Temos que entender o momento atual por duas vertentes: a questão empírica e vou discutir a questão da fenomenologia, onde você acessa o ser humano para entender quais aspectos do projeto reverberam nele. Vendo o ser humano como um ser social, econômico, no meio em que vive, e como os aspectos do espaço e da forma influenciam na sua compreensão de mundo.

Em minhas pesquisas, me deparei com um artigo no portal ArchDaily que falava sobre uma experiência que utilizou óculos de realidade virtual para capturar como se dá o movimento do olho ao se deparar com a fachada de um edifício, por exemplo. Esse óculos conseguia captar quais partes chamavam mais atenção do olhar humano, e com essas informações, os próprios arquitetos entenderem os pontos que poderiam ser melhor elaborados em seus projetos.

Quando um arquiteto projeta um edifício, ele está criando uma estética e muitas vezes essa estética está amparada na questão funcionalista, cultural, que estabeleça uma relação visual com a cidade e com o local onde a obra está inserida. Essas preocupações acabam superando a do interesse em saber como as pessoas se apropriarão de tais espaços.

A segunda vertente está em compreender como as pessoas percebem esses elementos criados. Se eu como arquiteto entender o que atrai o olhar das pessoas, eu posso também começar a desenhar os elementos com propósito, com maior assertividade. Então, ao fazer um projeto, procuramos fazer um briefing onde é possível trazer o maior detalhamento possível do que devemos contemplar nesse projeto. Ai cabe ao arquiteto buscar trazer para o briefing o máximo de expectativas dos seres humanos. Existem alguns aspectos que conseguimos mensurar. Até porque nem tudo que expressamos representa fielmente aquilo que sentimos.

 

Lorí Crízel – Dos estudos que você tem tido acesso sobre o comportamento humano, quais estão lhe ajudando a melhor compreender esse elemento central dos projetos arquitetônicos?

 

Oliveira Jr – Hoje em dia a gente tem acesso aos dados levantados pelos algoritmos, que têm a finalidade de mapear o comportamento humano com base nos rastros que deixamos ao navegarmos na internet. Eu assisti uma entrevista com o fundador do Netflix, Reed Hastings, onde ele falava que as pessoas ao usar o serviço de streming consomem “salada” e “coxinha” ao mesmo tempo, fazendo uma analogia a conteúdo de maior densidade intelectual e outros de puro entretenimento, por exemplo. Ou seja, só é possível compreender as pessoas em sua maneira mais verdadeira quando observamos elementos que elas sequer notam que estão fazendo. Quando as pessoas estão sendo monitoradas, elas nem sempre se mostrarão na sua essência.

Por isso que quando você está navegando na internet, você está buscando coisas que nem sempre estão expressas no seu cotidiano. Quando estou navegando na internet, o algoritmo consegue me apresentar conteúdos baseados nas minhas preferências, que nem sempre tais preferências são conscientes a mim mesmo. A importância da neurociência está em tentar entender o ser humano naquilo que nem ele sabe que ele prefere. Porque se eu conhecer com essa profundidade esse ser, eu posso criar ambientes muito mais assertivos e produtivos.

 

Lorí Crízel – Você acredita que a arquitetura possa promover em seus ambientes a forma que se deseja que a pessoa se aproprie desse ambiente? Por exemplo: ao projetar uma loja, o arquiteto pode lançar mão de elementos que tornem seus usuários aptos ao consumo?

 

Oliveira Jr. – Ao analisar sobre o varejo, antigamente víamos que os vendedores chegavam a “empurrar” os produtos para as pessoas comprarem. Os vendedores chegavam para a pessoa, elogiavam o cliente ao experimentar o produto e a pessoa acabava comprando influenciada pelo vendedor. Essa questão do papel centralizado no vendedor mudou muito. Hoje ele é tido como consultor de vendas. Diante dessa nova postura, esse consultor passou a auxiliar o consumidor a encontrar o que ele precisa para satisfazer uma necessidade específica de consumo. A loja tem como contribuir nestes processos decisórios de compra ao criar cenários que favoreçam essa tomada de decisão. Por exemplo, uma loja focada no público jovem e que vende roupas para serem usadas na “balada” pode perfeitamente adotar uma iluminação mais condizente com a noturna, para que a pessoa ao experimentar o produto tenha a sensação de estar com ele no ambiente que será desfrutado. Isso é um artifício pensado pelo arquiteto e que contribui diretamente na efetivação da venda. O arquiteto pode criar condições e situações que colocam o cliente na atmosfera em que o produto será desfrutado. Eu começo a tentar compreender como o ser humano deseja usar esse produto para pensar no formato que vou projetar esse espaço. Se entendermos como as pessoas processam as informações recebidas, mais assertivos seremos na composição dos projetos arquitetônicos.

 

Lorí Crízel – Como podemos auxiliar os estudantes que estão se preparando para ingressar no mercado a entenderem a neuroarquitetura?

 

Oliveira Jr. – Eu falo em sala de aula que a preocupação maior está focada na questão técnica, quanto o mais importante seria se entendêssemos das pessoas. Ao entendermos sobre as pessoas, podemos criar ou manipular o nosso conhecimento técnico para atender as pessoas. Quando falo do algoritmo e para a economia comportamental, por exemplo, vemos que os estudos focam hoje na compreensão de como se dá as decisões de compra. Quando conseguirmos dentro de um ambiente comercial mapear o comportamento das pessoas, vamos conseguir entregar valor e não meramente produto. Porque produto qualquer um entrega. Mas entregar valor é muito mais importante. Permite às pessoas consumirem de forma muito mais assertiva. Afinal, as tomadas de decisões se dão no campo da emoção, e não da razão. Se eu conseguir mapear o comportamento das pessoas, suas preferências, imagine o poder que será dado ao design de consumo.

 

Lorí Crízel – Pelas suas pesquisas feitas sobre o comportamento do consumidor, você conseguiu entender quais mecanismos são acessados no cérebro de uma pessoa quando ela deseja algo?

 

Oliveria Jr – Continuo em plena investigação nesta área do neuromarketing. O que posso falar sobre o processo decisório está pautado na psicologia do comportamento do consumidor. O marketing tradicional expõe às pessoas aos produtos, e com isso elas vão guardando-os como referência. No momento em que há a necessidade de compra, nesta etapa do processo decisório recorre-se à memória, na busca por reconhecer o que já se ouviu falar sobre aquele produto. No segundo momento, a pessoa sai a campo para saber quais produtos vão satisfazer melhor a sua necessidade. E hoje, temos inúmeras formas de obter informação sobre os produtos. Até que ela chegue propriamente na loja, são tomadas várias atitudes. Entra nesse campo as influências sociais, exercida por familiares e amigos e suas impressões pessoais sobre determinado produto. Todas essas etapas são percorridas até que o consumidor eleja o seu objeto de desejo.

 

Lorí Crízel – E como o arquiteto deve pensar essa loja para permitir que tal pessoa efetivamente decida completar sua experiência de compra na loja que ele projetou?

 

Oliveira Jr. – Ao abordarmos o comportamento do consumidor em loja, para conseguir captar sua atenção e conduzi-lo ao ato da compra é esperado do arquiteto que ele saiba criar a ambiência com relação ao briefing, imprimir a identidade da loja para o seu público. Saber trabalhar a identidade da loja, tentar trazer para o ambiente da loja a forma como o público alvo se identificará é fundamental. Para isso, eu preciso conhecer com profundidade quem é o seu público-alvo. A partir daí devo saber posicionar os produtos de forma a melhor qualificá-los a serem percebidos e escolhidos. É importante entender que as pessoas precisam ter contato com o produto, principalmente os táteis, sentir texturas e mesmo provarem.

 

Lorí Crízel – Quais são os desafios da arquitetura frente às contribuições trazidas pela neurociência?

Oliveira Jr. – A arquitetura baseou muito das suas decisões projetuais na observação. A neurociência entra para nos auxiliar a mapear o movimento dos olhos por exemplo de uma determinada pessoa ao se deparar com uma obra. A nos ajudar a interpretar cientificamente como se dá no campo cognitivo a leitura que a pessoa faz, até mesmo sem que ela perceba que teve tais gatilhos mentais ativados. O grande desafio da neurociência ligada a arquitetura está em promover a simplificação desses mapeamentos. No caso da arquitetura comercial, é possível mapear com o uso de instrumentos o movimento dos olhos do consumidor, o seu deslocamento para identificar áreas quentes e frias da loja, e como o cérebro reage aos estímulos apresentados pelo ambiente. Trazer os resultados desse mapeamento cerebral para dentro da prática projetual é algo que configura um novo estágio da atuação do arquiteto, permitindo que seus projetos evoluam em paralelo à evolução da humanidade.

 

Sobre Oliveira Júnior:

Oliveira Júnior é Arquiteto e Urbanista. Mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Federal da Paraíba. Fundador do escritório 7S34W, onde desenvolve projetos de arquitetura, interiores e urbanismo desde 1991. Premiado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento da Paraíba possui diversas obras e projetos publicados em periódicos especializados nacionais e internacionais.

 

 

 

 





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