Contribuições da neurociência para a arquitetura



Saber identificar os avanços da ciência e sua influência direta nas profissões é um exercício necessário a todo profissional que busca se manter atualizado. Na arquitetura, o desenvolvimento da neurociência e as descobertas sobre a forma como o cérebro lê os ambientes permitiram trazer para a composição dos espaços formas mais assertivas de despertar os sentidos dos usuários de tais locais.

Convidei para um bate-papo de alto nível a arquiteta e urbanista Miriam Runge, que tem se dividido entre o desenvolvimento de projetos comerciais e residenciais, enquanto busca em paralelo nutrir-se de conhecimentos sobre neurobusiness – uma vertente da neurociência aplicada aos negócios. Como pensadora e pesquisadora nata, Miriam tem traçado vários paralelos entre a neurociência e sua contribuição para o desenvolvimento de projetos arquitetônicos. E são sobre essas inferências que vamos nos ater nesta busca constante pelo delinear da neuroarquitetura na atualidade. Confira:

Lorí Crízel – Você poderia nos relatar brevemente como tem sido sua trajetória profissional e a busca por trazer a neuroarquitetura para dentro dos seus projetos?

Miriam Runge – Sempre me interessei em desenvolver projetos comerciais. Minha primeira participação na Casa Cor foi com um projeto comercial. Depois o próprio apelo do mercado me levou a assumir com maior destaque os projetos residenciais. Mas sempre observei muito a evolução da arquitetura comercial e me envolvi sempre que possível no desenvolvimento de projetos dessa natureza. Com o advento da neuroarquitetura, senti a necessidade de buscar nos estudos um melhor aprofundamento de como pensar os projetos por essa ótica. O estudo tem me permitido ir um pouco além daquela arquitetura tradicional que todos conhecemos. Tem sido enriquecedor entender como as emoções e o comportamento das pessoas nos espaços podem ser influenciados pela intervenção arquitetônica. Buscamos hoje nos especializar na forma como a arquitetura possa contribuir para promover experiência aos seus usuários.

Lorí Crízel – Em seus estudos sobre neurobusiness você tem construído paralelos com relação à arquitetura comercial?

Miriam Runge – Quando estudamos sobre a influência da neurociência na arquitetura temos tido contato com estudos que mostram sua aplicação, por exemplo, na saúde: onde o foco maior está em proporcionar o bem estar e a contribuição do ambiente no processo de cura. E na arquitetura comercial percebemos que a neurociência passa a integrar os projetos via estudos derivados do marketing. E o marketing é pensado para vender algo. Sua essência está na venda. Logo, a arquitetura comercial tem buscado trabalhar com essas duas condicionantes – espaço e o propósito de venda – de forma muito salutar. O arquiteto deve levar em conta além das questões estéticas e de funcionalidade a forma como seu projeto vai proporcionar a melhor experiência para o cliente, em termos de vendas. Afinal, a loja tem como premissa principal promover a experiência de compra e o arquiteto é o responsável por desenhar os ambientes tendo esse foco como um dos principais no seu projeto.

Lorí Crízel – E como você avalia a influência da arquitetura comercial no comportamento do consumidor?

Miriam Runge – Os estudos que tenho feito mostram que ninguém entrará em uma loja ou comprará algo se não estiver apto a esse momento de compra, por mais interessante que a loja seja. Por mais recursos que a loja disponibilize e atrativos pensados para a sua composição. A compra se efetiva mediante o desejo da pessoa em obter algo. Estamos dando passos que nos levam a compreender a neurociência com mais efetividade. Creio que dentro de dez anos, todos os arquitetos devam estar devidamente nutridos de tal preocupação a ponto de trazerem para dentro dos seus projetos os avanços conquistados por essa área científica. Quando pensamos no comportamento do consumidor sabemos que o que faz a pessoa comprar algo é o efeito de geração de dopamina no cérebro, neurotransmissor responsável pela geração de prazer futuro com esta compra. Então quando eu olho uma roupa, eu me imagino com essa roupa. Como a arquitetura entra neste momento do desejo à efetivação da compra? Proporcionando a ambientação correta que me permita me sentir bem ao desejar aquela roupa. A somatória do desejo casada à mensagem do ambiente me levam a comprar aquela roupa. Por isso que em alguns casos, a pessoa não tem a mesma impressão que teve na loja ao experimentar a roupa em casa. Porque o ambiente doméstico pode não lhe despertar a mesma carga de dopamina da que foi produzida no momento em que ela estava na loja.

Lorí Crízel – E sobre processos de escolha diante do ato da compra, como a neurociência explica o fato de, na dúvida por duas peças, acabarmos optando por levar ambas?

Miriam Runge – A neurociência nos mostra que tomar decisões “cansa” o cérebro, demanda muita energia cerebral. Então no processo decisório, o cérebro busca atalhos que lhe permitam gastar menos energia. No processo de compra, isso é muitas vezes verificado quando a pessoa ao ter que optar por uma das peças acaba ficando com as duas, mesmo que elas sejam até muito parecidas.

Lorí Crízel – Em qual momento a arquitetura e a neurociência passaram a dialogar?

Miriam Runge – A década de 80 foi determinante para o avanço da neurociência nas demais áreas como a arquitetura e o marketing, por exemplo, pois foi a partir daí que passamos a ter um maior detalhamento do mapeamento por imagem do comportamento cerebral. Nesse período tivemos um salto da neurociência aplicada que passou a poder ser compartilhada com as demais áreas do conhecimento. Hoje, estamos caminhando em paralelo com essas descobertas. Começamos a poder embasar o nosso comportamento a partir de exames e do mapeamento visual destes experimentos. Estamos tendo acesso a vários tipos de medições sobre o comportamento humano. Recentemente fiz um curso onde o profissional que estava ministrando nos mostrou os resultados da medição da sudorese palmar com aparelhos. A arquitetura entra no momento que conseguimos começar a medir essas reações e esse conhecimento ser melhor divulgado. O cérebro está sendo mais visto e melhor interpretado.

Lorí Crízel – Quais são os movimentos cognitivos que conseguimos despertar no usuário ao projetarmos um ambiente?

Miriam Runge – Quando pensamos em ambientes corporativos, percebemos que as tendências atuais nos levam a buscar o bem estar do funcionário. Toda a questão do corporativo como desenvolvimento ao longo da história chegou ao ponto tal onde as pessoas podem até sentir-se exploradas pela empresa, muitas vezes em um local insalubre, se dedicando por muitas horas seguida em ambientes mal iluminados e desconfortáveis que não lhe retornam nenhuma satisfação. Hoje, o bem estar aparece como protagonista dos projetos, até mesmo para garantir a produtividade. Iluminação, ventilação e cores adequadas promovem espaços voltados a despertar a capacidade de concentração e outros que primam pela convivência. Não gosto de pensar que todos os projetos devam estar no padrão dessas grandes empresas de tecnologia que orgulham-se por suas plantas livres, com mesa de sinuca dividindo espaço com as estações de trabalho. Isso deve ser analisado de acordo com o perfil do escritório e da natureza do trabalho. Atividades que primam pelo despertar da criatividade até se beneficiam desse formato. Mas funções que requerem maior concentração não se adequam a essa planta. É papel do arquiteto saber compreender essas necessidades para propor projetos mais assertivos primando pelo bem estar de todos e adequação ao objetivo da empresa.

Lorí Crízel – Quais são os principais fatores que o arquiteto deve se atentar ao buscar transmitir as condições ideais para a compra, quando ele está projetando uma loja, por exemplo.

Miriam Runge – A primeira coisa a se pensar é na coerência com o projeto. Qual o produto que esse espaço vai apresentar. Pensar em projetar uma loja feminina é diferente de pensar em um loja de chocolates. Alguns itens como coerência e identificação com o cliente que queremos atingir. Esse gatilho mental é acionado a partir do momento que o cliente se identificar com o produto e com a forma como ele está exposto. Temos que buscar através da arquitetura mostrar para o cliente formas de identificação para que ele se sinta apto a se relacionar, se engajar com a marca e produto e deseje então efetuar a compra.

Lorí Crízel – Você consegue imaginar o desenvolvimento da arquitetura sem levar em conta os avanços feitos pela neurociência?

Miriam Runge – Não consigo imaginar. Isso fica muito claro para mim cada vez que estudo algo novo na neurociência. O primeiro gatilho do arquiteto ao se deparar com um novo projeto é buscar referências do que está sendo feito no mercado. Procuramos referências para nos inspirar. A neuro nos oferece um novo caminho. Uma forma de olhar primeiro para o ser humano consumidor para depois pensarmos no que já está consagrado no mercado. A neuroarquitetura é uma evolução do mercado da arquitetura. Quem não se inserir neste tema pode estar fadado a ficar fora do mercado. A neuro nos dá recursos projetuais comprovados para sermos mais assertivos neste mercado em constante evolução.

Sobre Miriam Runge:
Miriam Runge – Arquiteta e Urbanista formada pela UFRGS 1993 e Especialista em Design de Mobiliário pela UCS em 2003. Desde 1998 atua em seu escritório próprio – m.runge arquitetura – participou 11 vezes na Casa Cor RS recebendo diversos prêmios em seus espaços. Possui inúmeros trabalhos publicados em jornais, revistas e publicações locais e nacionais .Integrou o quadro docente da pós graduação UNIRITTER em Porto Alegre/RS e UNIFRA em Santa Maria RS. Atualmente é docente convidada pelo IPOG nos módulos de Materiais& Revestimentos, Gestão de Escritórios e Gerenciamento de obras. Criadora e ministrante junto ao IAB-POA do curso Gestão e Planejamento do Escritório de Arquitetura com 10 edições realizadas no RS. Formada em CBO pelo IP2 Neurobusiness de Curitiba e atualmente em formação no MBA em Neurobusiness pela FAMAQUI-INFINITY de Porto Alegre. Possui inúmeros trabalhos na área residencial e comercial com clientes em Porto Alegre, Gramado, Santa Catarina e São Paulo.





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