Articulando um pensamento sensorial de luz para o ambiente



por Cláudia de Bem

 

Os avanços da Neurociência e suas aplicações em diferentes áreas de conhecimento tem provocado desafios e reflexões sobre as potencialidades do nosso cérebro e as relações com o comportamento humano ressignificando nosso olhar sobre o mundo. A retomada dos sentidos como potente ferramenta de conhecimento sensível amplia nosso entendimento sobre a percepção. O fenômeno percepção ganha outra dimensão além do legado filosófico e da psicologia da Gestalt e, saber mais sobre o cérebro reflete em saber mais sobre nós e entendermos mais sobre o outro. Na Arquitetura emerge uma nova filosofia no sentido de reinventar conceitos e repensar os espaços dentro da dimensão do sensível. Creio ser este o principal desafio da Neuro arquitetura, um momento de olhar para nós mesmos, identificar nossas capacidades sensoriais e ampliar nossa percepção de mundo de forma mais humana e conectada com o ambiente a ponto de interferir em consonância às necessidades emergentes da nossa civilização.

 

Instalação Lâmpada de sol / Cláudia de Bem

 

Reconhecer na percepção o primeiro movimento de contato com o mundo e como absorvemos suas representações e interagimos nele é, primeiramente, se colocar na perspectiva de estar em algum lugar, estabelecer um campo de presença sensível aberto a possibilidades perceptivas. Ao transportar esse pensamento para a arte da arquitetura, pode-se dizer que a realidade presente num ambiente não é apenas o visível. O ambiente é um povoado de emoções e sensações trazidas por diferentes comportamentos humanos e inúmeras representações materiais que trazem consigo também uma sensorialidade.  O light designer, como artista da luz, é um cocriador de espaços sensoriais, o que exige dele um acesso particular e íntimo com o espaço, a luz e a matéria. Esta comunicação amplia-se ao explorarmos os aspectos subjetivos existentes nesta tríade. A luz é uma radiação que não se reduz a partículas, fótons e comprimentos de onda, ela tem uma cosmogonia e assume dimensões metafísicas, simbólicas e reveladoras no espaço ao revelar a matéria. Um pôr do sol, um amanhecer, os reflexos da luz nas águas, um raio que penetra numa fresta, os contrastes causados pelo jogo de luz e sombras na matéria, o céu, a lua, o fogo, são manifestações físicas da luz refletidas de modo incidental na natureza que nos levam a outras dimensões de nós mesmos. 

 

Neste contexto, investigar o nosso olhar, se constitui na busca de argumentos e sistemáticas sobre o quanto a luz é substância do discurso visual num projeto arquitetônico. A ideia de que espaço é atravessado pela subjetividade, por nossos significados, afetos, por aquilo que construímos nele, alimenta a hipótese de que a luz se encontra entre a realidade objetiva e subjetiva podendo revelar o espaço de infinitas formas. Assim, a luz é inclusiva porque que cria um intercâmbio entre o indivíduo e o ambiente que os torna correlativos. O contexto específico está ligado as nossas percepções e emoções e ao mudarem, muda também o contexto.

 

Os lighting designers são artistas da luz e para tanto necessitam poesia no olhar. Ao refletir sobre a formação destes profissionais, entendo que ações metodológicas que promovam a sensibilização do olhar são de extrema importância, pois a articulação de um pensamento de luz para um espaço envolve um paradoxo: luz versus iluminação. Apesar de coexistirem juntas, isso requer que sejam compreendidas separadamente por existir diferenças nas sistemáticas da produção de conhecimento. Para existir iluminação é preciso luz, mas a luz prescinde da iluminação. Na relação entre iluminação e luz podemos perceber um jogo de inúmeras possibilidades perceptivas e componentes subjetivos. Estou convencida que para entender de luz nunca devemos começar pela iluminação e sim pela luz.  A luz devemos atribuir uma ideia – um significado – a luz é uma experiência perceptiva que envolve os sentidos. Iluminação é um conceito – significante– materialização de uma ideia de luz e exige de nós um conhecimento técnico, mas acima de tudo um conhecimento sobre a luz.

 

Inicialmente, ao abordar este assunto, me parecia bastante subjetivo e complexo, mas hoje estou convencida que não. Quando falamos de luz é mais concreto do que falar de iluminação. Falar com um cliente sobre luz e não diretamente sobre iluminação parece ser mais sedutor e interessante e de mais fácil compreensão ao leigo.  Quando chegamos neste diálogo entre luz e iluminação podemos nos apropriar da técnica e agir conscientemente nos espaços.

 

E como ampliar esta experiência do olhar?

 

Apesar de reconhecer na visão um sentido dominante, somos muito mais sinestésicos do que imaginamos. Portanto conscientizarmos de que a percepção se dá com nosso corpo e não de forma fragmentada nos leva a intensificar as relações com o ambiente, ressignificar nossas experiências, ampliar nosso olhar sobre o mundo. O espaço também tem seu eco, uma subjetividade, um comportamento; a matéria é sensorial (texturas, cheiros, cores, etc.); a luz é uma ferramenta reveladora do potencial sensível destes elementos catalizadores. A luz é uma experiência perceptiva que está presente diariamente em nossas vidas, na natureza, nos lugares que vivemos e estivemos, no nosso olhar sobre as coisas. Ao acessarmos essas inúmeras imagens e referências de espaços iluminados que guardamos na memória, nos damos conta o quanto entendemos de luz.

 

A percepção é um processo em movimento que envolve os sentidos, experiências e memórias. Ao reconhecermos os atributos sensoriais da luz, do espaço e da matéria, ressignificamos nosso olhar, alimentamos nosso repertório de imagens e criamos outras possibilidades criativas com escolhas conscientes que irão refletir nos projetos em qualidade estética e ambientes mais sensíveis.

 


Sobre Cláudia de Bem
Natural de Porto Alegre, radicada em São Paulo. Professora, artista multimídia, light designer e pesquisadora. Doutora em artes pela USP/ECA, mestre em artes cênicas pelo PPGAC-UFRGS, especialista em iluminação e design de interiores pelo IPOG-DF. Professora contratada do curso de graduação de Artes Cênicas da Belas Artes-SP. Professora convidada do curso de pós-graduação design cenográfico da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, professora convidada do curso de pós-graduação de light designer do Belas Artes /SP e professora convidada do curso de pós-graduação master em arquitetura-em light designer e do Curso de Neuro arquitetura do IPOG-DF onde   ministra a disciplina de percepção multissensorial aplicada a arquitetura. Membro da Academy of Neuroscience for Architecture – ANFA.  Membro honorário da associação portuguesa de cenografia-APCEN. Desde 2008 dedica-se à pesquisa da luz e do espaço no eixo arte-percepção, onde aborda as possibilidades artísticas, sensoriais e expressivas da luz no espaço. Em 2015 e 2019, integrou o coletivo de artistas brasileiros a representar o Brasil na PQ13 e PQ 14, quadrienal de Praga na República Tcheca e em 2013 no Word Stage Design -WSD 2013. Sua experiência e dedicação as artes incluem 10 premiações nacionais na área de design cênico. Atua como light designer preferencialmente nos campos das artes cênicas e visuais, exposições e projetos especiais de arquitetura.
Instagram: @claudiadebem
Facebook: Claudia Bem
Site: www.claudiadebem.com.br 




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